O que esperar de um país que não respeita seus velhos, não valoriza seus jovens e não cuida de suas crianças?
- O ESTATUTO DO IDOSO foi criado pelo
governo federal e será votado ainda neste ano. Finalmente uma lei de
proteção aos direitos do idoso entrará em vigor. Se ela for do mesmo
quilate do ESTATUDO DO JOVEM E DO ADOLESCENTE, então atingiremos o céu
brasileiro, ora falta o capeta... ora falta o balde... ora falta o
ingrediente principal... A sorte dos anciãos e anciãs brasileiros é
que não serão trancafiados numa FEBEM para morrerem vítimas de quem
deveria cuidar deles, o azar é viverem jogados em asilos malcheirosos,
anti-higiênicos, mal aparelhados, sem a visita de suas famílias e sem
uma fiscalização adequada para o setor.
O Brasil é o país do MAS. Criar as leis, nós criamos, MAS, se elas serão aplicadas, isso é outra conversa. Por exemplo: essas leis devem punir os que não respeitam os direitos dos idosos, MAS, se aquele que não respeita é o próprio estado, aí o estatuto terá que esperar as autoridades se adequarem a essa nova realidade. Maltratar velhos é um crime contra a cidadania e a humanidade, MAS o próprio governo não os trata como cidadãos, ao lhes aferir aposentadorias ridículas, além de não lhes possibilitar lazer, vida digna nem mesmo na construção dos centros urbanos.
Esse país não dá oportunidades a suas crianças de se desenvolverem, porque não lhes possibilita educação de qualidade, a não ser que a FEBEM ou as escolas públicas tenham se tornado paraísos educacionais de uma hora para outra. Não cria condições para que os jovens negros e brancos advindos de classes baixas consigam estudar em universidades públicas e, principalmente, cheguem ao seu primeiro emprego. Não permite aos seus velhos as mínimas condições de cidadania como, por exemplo, na própria organização urbana: atravessar uma rua é um suplício, pois os semáforos são regulados para uma travessia de 1,2 metro por segundo, quando um velho usa o triplo desse tempo. As calçadas deveriam ter um 1,20 metro de faixa livre, MAS nenhuma cidade cumpre essa determinação. Os ônibus têm assentos especiais para os idosos, MAS jamais cumpriram essa finalidade. Os ônibus devem parar junto às calçadas, MAS os motoristas fazem vistas grossas a essa orientação.
No Brasil, criam-se leis inócuas aos borbotões. É aquilo que se convencionou chamar de fúria legiferante. Criam-se leis, quando deveriam ser criadas campanhas para educar os cidadãos. Leis vêm acompanhadas de multas. Multas só servem para angariar fundos para a união e para fiscais corruptos. O melhor mesmo é estabelecer campanhas de esclarecimento dos direitos e deveres que a sociedade tem para com os seres humanos das mais diferentes matizes. Não se trata apenas de respeitar o velho, mas dignificar o homem, senão esse será apenas mais um astuto bonito como propaganda governamental, para dizer que se faz alguma coisa, quando, na prática, não se está fazendo nada. É tão bonito como o ESTATUTO DO MENOR E DO ADOLESCENTE: uma lei de primeiro mundo para ser aplicada num país de terceiro.
Manoel Carlos ao usar dois atores, Carmem Silva, 84 anos, e Oswaldo Louzada, 90, que, por sinal, jamais haviam experimentado o gostinho de todo esse sucesso, para jogar a discussão no ventilador, fez mais do qualquer lei ou estatuto. Usou a televisão para mostrar o que ocorre dentro de vários lares brasileiros. A espevitada Dóris, vivida de forma competente pela atriz Regiane Alves, encarna justamente aquela intolerância que todos têm em relação às limitações da velhice. Ao agredir verbalmente seus avós, fala exatamente o que muitos falam, faz o que realmente muitos fazem. Ao confundirem a sua realidade com a suposta fantasia presente na novela, algumas senhoras chegaram a agredir a atriz. Diante do fato, chega-se à conclusão de que Dóris não é realmente uma simples ficção. As Dóris espalhadas por esse país tal como a personagem de Mulheres apaixonadas só não se dão conta de algumas coisas, por sinal, importantíssimas:
1º.) O Brasil está envelhecendo. Segundo o Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Brasil 15 milhões de idosos aqueles com mais de 60 anos. E a previsão é a de que, nos próximos 20 anos, essa população exceda as 30 milhões de pessoas. Em 1980, existiam cerca de 16 idosos para cada 100 crianças. Em 2000, essa relação quase dobrou, passando para 29. As mulheres são a maioria, já que vivem em média oito anos a mais do que os homens.
2º.) Com 40 anos, o brasileiro torna-se precocemente velho. Arrumar um emprego digno tornou-se uma batalha feroz, cuja vítima é quase sempre o próprio país que não pode e não quer contar com essa vivência e, por conseqüência, com essa experiência. Dóris vive o drama dentro de casa, com seu próprio pai.
3º.) 20% das famílias brasileiras são sustentadas por idosos. É a aposentadoria que sustenta filhos, netos e o padrão de vida de boa parte da classe média, média. É ela também que movimenta a economia dos pequenos negócios situados em bairros, como as feiras livres, os armarinhos, etc.
4º.) Várias empresas de Belo Horizonte, por exemplo, preferem usar senhoras como garotas propaganda nos quiosques dos supermercados e shoppings, porque passam melhor a idéia de confiabilidade do produto. A Associação das Donas de Casa prefere usar senhoras na pesquisa de preços de produtos, porque têm paciência e disponibilidade de tempo. Velhice está muitas vezes associada a honestidade e confiabilidade. - 5º.) Mikail Barishnikov dança
divinamente aos 60 anos; Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e
uma infinidade de grandes nomes da MPB compõem belas músicas e fazem
shows estupendos aos 60 anos; Mick Jager está à frente da mais longeva
banda de rock, os Rolling Stones, aos 60 anos; Renato Aragão continua
um grande sucesso, mesmo já tendo passado dos 60 anos; Rubem Fonseca,
Inácio de Loyola Brandão, Luís Fernando Veríssimo e outros
maravilhosos escritores continuam a publicar suas obras beirando os 60
anos. Dependendo da classe social a que se pertence, vive-se bem e
produtivamente.
É possível sim ter uma vida digna aos 60 anos, apesar das Dóris soltas por aí. Flora e Leopoldo, os personagens de Mulheres apaixonadas, contam com a compreensão e o carinho do neto Carlinhos. Sim, os Carlinhos também existem. Em Santos, a prefeitura disponibilizou imóveis e criou um projeto para que os idosos possam se sentir úteis. Eles participam de discussões sobre a aplicação do orçamento em várias regiões da cidade e até mesmo ajudam na fiscalização do cumprimento desses objetivos. Em São Bernardo do Campo, foi criada a Creche do vovô que se tornou um modelo de programa de socialização do idoso, os chamados Centros-dia. Os vovôs passam o dia no centro, com isso mantém a mente ocupada, praticam esportes e ainda a driblar as limitações impostas pela idade. À noite, voltam para dormir em suas casas com a saúde mental e corporal em dia.
Alguns promotores de justiça, como João Estevam da Silva, de São Paulo, se engajaram na luta pela melhoria da situação de vida do idoso e para evitar absurdos como o que ocorreu com Alfredo Moreira, de 86 anos, dono de um pequeno ferro velho na cidadezinha de Colômbia, que gastou 12 reais comprando panelas roubadas. Pelo crime cometido, esse indivíduo de alta periculosidade passou duas noites na cadeia de Barretos. A lei foi cumprida sim, mas de forma absolutamente insensata. Esses promotores fundaram o GRUPO DE ATENÇÃO ESPECIAL DE PROTEÇÃO AO IDOSO e, através dele, combatem os asilos que não oferecem as mínimas condições para que um integrante da terceira idade viva de forma digna, maus tratos infligidos por familiares ou até mesmo por autoridades.
Além de tudo isso, um fato novo é observado com a mudança dos costumes. Como as mulheres começaram a buscar não só meios de realização profissional, mas também meios para sustentar a família, são as vovós que passaram a buscar os filhos na porta das escolas e a ajudar na educação dos netos. Muitos vovôs voltaram ao trabalho informal, como o carioca Gilson Nascimento, 82 anos, que escreveu o livro Informática na terceira idade, para ajudar no orçamento familiar. Gilson, que é casado, afirma ter "saúde e disposição" para continuar trabalhando. Diante dessas mudanças sociais, não é apenas a terceira idade que mudou de perspectivas, investimentos estão sendo feitos por imobiliárias em apart-hotéis e condomínios para atender à demanda desses novos consumidores. Casas de repouso também estão se especializando, de olho nesse mercado consumidor sempre crescente. Descobriu-se que os membros da terceira idade têm potencial de investimento.
Uma criança feliz torna-se um adulto feliz. Um adulto feliz torna-se um velho realizado. Um velho realizado tem saúde física e mental para ajudar na construção de uma sociedade menos árida. Um idoso tem clarividência porque já passou por tantas experiências durante a vida que pode ponderar sobre as melhores saídas em relação aos problemas mais espinhosos. Se, com a velhice, voltamos a ser crianças, porque nos tornamos limitados e dependentes, a diferença fica na maneira de encarar essas deficiências. Numa criança, elas são bonitinhas, porque elas representam o novo; em um velho, elas são feias, porque representam a morte, talvez seja por isso que o número de geriatras é inversamente proporcional ao de pediatras. Nossa civilização precisa aprender a lidar com a morte e não apenas tentar driblá-la com lipoaspirações, operações plásticas, cremes rejuvenescedores, etc...
Vou citar Camões, poeta maior da língua portuguesa, porque ninguém é mais sábio que aquele que entende a vida aos olhos de sua experiência pessoal e da cultura de seu povo. No mais belo momento do episódio do VELHO DO RESTELO, o poeta diz: "Mas um velho, de aspeito venerando, / Que ficava nas praias, antre a gente, / Postos em nós os olhos, meneando / Três vezes a cabeça, descontente, / A voz pesada um pouco alevantando, / Que nós no mar ouvimos claramente, / C'um saber só de experiências feito, / Tais palavras tirou do experto peito". Nesse momento, o personagem se posta contra a ambição, a fama e a glória que motivavam as grandes navegações portuguesas, porque esses sentimentos nada nobres levariam seu país à ruína. Vasco da Gama, jovem impetuoso, não o ouviu. Deu no que deu: Portugal tenta se levantar do tombo que levou há séculos até hoje.
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