Ultimamente, temos percebido uma certa inversão de valores quanto aos direitos dos indivíduos, principalmente quando trata-se do ideal de justiça. Os cidadãos desiludidos com o sistema de segurança pública e judiciário brasileiro buscam solução para seus problemas de forma alternativa, criando uma justiça parestatal, que, por vezes, desafia o próprio poder de polícia do Estado.
No artigo Amarrar bandido no poste virou moda, analisamos um fenômeno social que era muito comum nas sociedades mais antigas: o fazer justiça com as próprias mãos. As pessoas não chamam mais a polícia para os ladrões. Elas mesmas pegam o infrator, amarram e aplicam o corretivo na base de pauladas ou chicotadas. Se o poder judiciário não dá conta da bandidagem, o povo pune o infrator a seu modo.
Muita gente, inclusive agentes dos órgãos de segurança pública, aprova este procedimento popular. Independente do senso comum de justiça, o certo é que a competência jurídica para investigar um crime, prender, acusar, julgar e punir seu autor cabe ao Estado. Porém, quando este é omisso ou ineficaz, acarreta o descrédito de todo o sistema.
Enquanto o povo está chicoteando um ladrãozinho amarrado no poste, tudo bem. Mas e agora que resolveram enfrentar a polícia? A moda é tomar o preso das mãos dos policiais. E não interessa se o indivíduo cometeu um crime. Aparece gente de todo lado para evitar que o preso seja conduzido.
Aconteceu um caso deste no dia 18 de setembro de 2014 na Lapa/SP. Os militares faziam operação conjunta com fiscais da prefeitura para combate a venda de produtos pirata. Ao tentar prender um camelô, inicia-se um tumulto. Apenas três policiais em meio a diversos populares, que tentam evitar a prisão do colega de trabalho. Na confusão, um homem tenta tomar o spray de pimenta da mão do policial, que desfere um tiro, causando a morte do jovem.
Engana-se quem acredita que este seja um acontecimento anormal. A atitude da sociedade de não reconhecer o poder policial e tentar evitar prisões tem tornado-se corriqueiro. O caso paulista só ganhou tamanho destaque devido ao desfecho trágico.
Em Divinópolis/MG, durante operação, policiais prendem um traficante e apreendem maconha, crack e dinheiro da venda das drogas. Na hora de levar o jovem para a viatura, homens e mulheres tentam impedir a condução e provocam maior confusão. Inclusive, um deles tenta retirar o instrumento de proteção do policial, bastão de madeira.
Nestes dois casos, os presos continuaram em poder dos policiais. Mas em outras oportunidades, já ocorreu apedrejamento de viaturas, agressões físicas contra os policiais e retomada do preso pelos populares.
Tanto aqueles que amarram o ladrão no poste, quanto estes que enfrentam a polícia para evitar uma prisão, acreditam estar agindo corretamente, baseado em sua concepção de justiça e direitos. Qual será o futuro deste país em que o povo não acredita no sistema judiciário e não respeita nem mesmo a polícia?
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