O medo é cada vez mais central na sociedade moderna. Ocupa diariamente o imaginário popular, sendo expressão dos noticiários, dos livros, dos comentaristas, das autoridades etc. O medo é um elemento que desequilibra a mente humana e informa que algo nefasto e externo aos indivíduos não está andando como deveria. Se o medo ocupa a centralidade de tal importância em nosso meio, fica a impressão negativa de que não conseguimos responder bem os problemas que surgem na sociedade. Ao menos, prevalece o sentimento de ódio, rancor, vingança e dor, enquanto consequência da cultura do medo, relegando ao sentimento de equilíbrio, solidariedade, justiça, espaço de menor importância na resolução de nossos conflitos sociais.
Para o pai da psicanálise, Sigmund Freud, toda doença está no campo da subjetividade, sendo, por meio da fala que é possível acessar o sofrimento dos doentes. Em primeiro plano, quando temos uma sociedade cujo sentimento maior é o medo, vivemos em uma sociedade marcada também pela disfunção e má organização social, sendo, portanto, uma sociedade doente. No segundo plano, a tendência do discurso é a verbalização como expressão do desequilíbrio e sentimentos negativos que constroem análises e soluções para os conflitos sociais.
A partir disso, se identifica várias manifestações na sociedade que revelam a cultura do medo enquanto pilar fundamental, orientando ações e soluções para os problemas sociais. É comum que a Violência tenha como solução imediata a Segurança institucionalizada, policialesca, militarizada, bem armada e especialista. Que os ricos e latifundiários, detentores de patrimônio tenham a defesa integral dos bens em nome da Justiça. Que os sujeitos de direitos e defensores de direitos humanos sejam criminalizados em nome do discurso da Lei e da Ordem. No mesmo sentido, surgem solução que centram na ampliação dos estatutos jurídicos, leis, códigos, etc, todos com o propósito de simplificação legalista e funcionando com a dose de rigor que o problema social exige.
Por outro lado, a sociedade que se propõe a resolver os seus problemas de natureza social deve se preocupar em desvencilhar-se da cultura do medo, procurando soluções no campo dos sentimentos de equilíbrio, da solidariedade e da justiça. A sociedade que reproduz o medo também no campo subjetivo das soluções ainda é uma sociedade engaiolada nas raízes do medo.
O reconhecimento de que somos uma sociedade doente não é pior das constatações, todavia, a permanência, o não desvencilhar, a reprodução do medo enquanto única opção nos parece um agravamento na doença.
Mais que isso, preocupa a visão das autoridades que são incapazes de apresentar soluções equilibradas, não desesperadoras, que busquem a afirmação de um Estado Social, capaz de propiciar a superação da cultura do medo. De outra forma, são promoventes de um Estado Máximo para os ricos, capaz de promover a defesa das classes detentoras de patrimônio e, protagonizando o Estado Mínimo para as classes pobres, normalmente, apresentada como o Estado Penal ou aquele que promove a punição dos pobres na sociedade.
Nessa composição, os ricos têm a garantia de todos os direitos, tendo o Estado como garantidor, expressão sugerida pelo forte aparato policial. Os pobres, quando muito, possuem a mão forte e dura da Justiça.
De maneira simplificada, o clamor por mais segurança, mais leis, mais justiça, tem sido uma tendência que tem por causa a cultura do medo. Enquanto consequência, esses elementos “mais segurança”, “mais leis”, “mais justiça” se constituem propostas contra os pobres e não pela afirmação dos pobres. Demonstração dessa tendência é a reivindicação de parcelas da sociedade que chancelam a violência institucionalizada por meio da Polícia, autorizando a utilização inquestionável da força.
Outra tendência marcante na sociedade baseada no medo, é a necessidade de trazer enquanto solução a ampliação de leis, que trazem consigo a pecha de serem mais rigorosas. Inicialmente, é importante dizer que a existência de leis não representa uma garantia real de efetivação de direitos e, por outro lado, os rigores da lei demonstram recair de forma mais contundente sobre as classes mais empobrecidas que as ricas, servindo ao incremento da criminalização e exclusão da pobreza.
Do ponto de vista de algumas autoridades, é comum a verbalização de propostas como a Redução da Maioridade Penal, ou mesmo, a Responsabilidade Criminal de Movimentos Sociais. Está claro que a concepção que prevalece é a expressão de um sentimento pautado pelo ódio, rancor, vingança e dor, centrado na cultura do medo e pânico que vive a sociedade. Também, prevalece, uma concepção que visa tornar mais presente o Estado Punitivo contra os pobres, aliás, a mesma visão que apetece os despossuídos nas periferias, uma vez que o Estado não aparece, em hipótese nenhuma, enquanto Estado da Solidariedade, da Justiça, do Equilíbrio, etc.
Por qual motivo aprisionar os nossos jovens no sistema carcerário tradicional mais cedo? Só é possível pensar em uma resposta lúcida: Em um sistema carcerário que não funciona, que está cheio de pobres e que não garante futuro para ninguém, só pode ser uma solução para os nossos jovens quando o sentimento que prevalece é o ódio, rancor, vingança e dor. Só pode ser uma solução doente para uma sociedade doente, o que nos faz retornar a idéia de que o medo prevalece em nosso meio social como endemia, enquanto algo que está pulverizado e impede a sociedade de solucionar os conflitos sociais.
Por Claudio Agatão Porto
Advogado da Cerrado Assessoria Popular
‘Hoje, temos medo da polícia’
Gilberto G. Pereira‘Hoje, temos medo da polícia', diz mãe de publicitário morto pela PM, no dia 18 de julho, em São Paulo. Uma equipe da Força Tática da Polícia Militar perseguiu o rapaz de 39 anos e o matou. Meteu bala sem perguntar quem era, nem dizer porque atirava.
O que a mãe da vítima diz é uma meia verdade. 'Hoje, temos medo da polícia'. Não é de hoje que se tem medo da polícia. Pergunte a pretos e pobres da periferia, cidadãos de bem. Talvez para um rapaz de classe média, branco, bem educado, em cujo olhar não há o medo da violência policial, isso seja uma realidade nova.
Mas o que a polícia faz agora é uma repetição de atos cabalmente executados entre policiais que cuidam de zonas esquecidas das cidades. A periferia não vende glória por ser agredida por policiais maus, perversos (muitos) desde sempre. Nem quer que isso se repita entre cidadãos da classe média branca, mas é isso que se vê agora com a morte do rapaz em São Paulo.
E essa atitude não é isolada, em termos de cidade. Em qualquer lugar do Brasil, a polícia é assim. De vez em quando, ela aparece educada diante das câmeras, mas muitas vezes nem sequer se furta de publicar videozinhos na internet expondo os músculos e a truculência, mostrando como ela é má.
Basta mirar de longe (para não levar um satiripapo) a ação policial contra drogadas e inválidos que dormem nas ruas das grandes cidades. Seus homens chegam como se estivessem numa operação pesada de guerra contra os piores bandidos do mundo. Mas o que se vê nas calçadas dos centros das principais cidades do país é gente que mal consegue ficar em pé por causa do uso diuturno de craque e outras drogas.
Fracotes esfarrapados se veem rodeados de policiais corajosos fazendo seu 'trabalho de segurança pública'. É claro que há sempre o policial responsável, que sabe fazer seu trabalho, o comandante idôneo que consegue liderar sua equipe. Mas quando há uma morte de inocente, ou um espancamento, a velha história de que é fato isolado está ficando cada vez mais difícil de ser sustentada.
Quando a mãe do publicitário assassinado pela polícia diz 'hoje, temos medo da polícia', ela está dizendo não só do ponto de vista de sua realidade, da atualidade que a frase denota, mas é bem provável que possamos utilizar isso também como uma revelação geral. Algo do tipo “não dá mais pra esconder. Sabemos que a polícia só sabe agir com violência extremada e não está preparada para distinguir entre firmeza na ação e arbitrariedade.”
Outro dia, indo do jornal para casa, por volta de 9 horas da noite, passava pelas imediações da Praça do Trabalhador e vi uma ação policial em cima de viciados de cracks, deitados numa calçada da avenida Independência. Como passava de carro, só vi num relance a truculência. Era necessário?
Que ranço é esse que não se apaga? A polícia precisa de um cérebro melhor, que aprenda a distinguir cidadãos. Não pode sair por aí batendo nas pessoas, às vezes matando, só para dar vazão à covardia e o medo de enfrentar a violência diá
ria das ruas.
Para o pai da psicanálise, Sigmund Freud, toda doença está no campo da subjetividade, sendo, por meio da fala que é possível acessar o sofrimento dos doentes. Em primeiro plano, quando temos uma sociedade cujo sentimento maior é o medo, vivemos em uma sociedade marcada também pela disfunção e má organização social, sendo, portanto, uma sociedade doente. No segundo plano, a tendência do discurso é a verbalização como expressão do desequilíbrio e sentimentos negativos que constroem análises e soluções para os conflitos sociais.
A partir disso, se identifica várias manifestações na sociedade que revelam a cultura do medo enquanto pilar fundamental, orientando ações e soluções para os problemas sociais. É comum que a Violência tenha como solução imediata a Segurança institucionalizada, policialesca, militarizada, bem armada e especialista. Que os ricos e latifundiários, detentores de patrimônio tenham a defesa integral dos bens em nome da Justiça. Que os sujeitos de direitos e defensores de direitos humanos sejam criminalizados em nome do discurso da Lei e da Ordem. No mesmo sentido, surgem solução que centram na ampliação dos estatutos jurídicos, leis, códigos, etc, todos com o propósito de simplificação legalista e funcionando com a dose de rigor que o problema social exige.
Por outro lado, a sociedade que se propõe a resolver os seus problemas de natureza social deve se preocupar em desvencilhar-se da cultura do medo, procurando soluções no campo dos sentimentos de equilíbrio, da solidariedade e da justiça. A sociedade que reproduz o medo também no campo subjetivo das soluções ainda é uma sociedade engaiolada nas raízes do medo.
O reconhecimento de que somos uma sociedade doente não é pior das constatações, todavia, a permanência, o não desvencilhar, a reprodução do medo enquanto única opção nos parece um agravamento na doença.
Mais que isso, preocupa a visão das autoridades que são incapazes de apresentar soluções equilibradas, não desesperadoras, que busquem a afirmação de um Estado Social, capaz de propiciar a superação da cultura do medo. De outra forma, são promoventes de um Estado Máximo para os ricos, capaz de promover a defesa das classes detentoras de patrimônio e, protagonizando o Estado Mínimo para as classes pobres, normalmente, apresentada como o Estado Penal ou aquele que promove a punição dos pobres na sociedade.
Nessa composição, os ricos têm a garantia de todos os direitos, tendo o Estado como garantidor, expressão sugerida pelo forte aparato policial. Os pobres, quando muito, possuem a mão forte e dura da Justiça.
De maneira simplificada, o clamor por mais segurança, mais leis, mais justiça, tem sido uma tendência que tem por causa a cultura do medo. Enquanto consequência, esses elementos “mais segurança”, “mais leis”, “mais justiça” se constituem propostas contra os pobres e não pela afirmação dos pobres. Demonstração dessa tendência é a reivindicação de parcelas da sociedade que chancelam a violência institucionalizada por meio da Polícia, autorizando a utilização inquestionável da força.
Outra tendência marcante na sociedade baseada no medo, é a necessidade de trazer enquanto solução a ampliação de leis, que trazem consigo a pecha de serem mais rigorosas. Inicialmente, é importante dizer que a existência de leis não representa uma garantia real de efetivação de direitos e, por outro lado, os rigores da lei demonstram recair de forma mais contundente sobre as classes mais empobrecidas que as ricas, servindo ao incremento da criminalização e exclusão da pobreza.
Do ponto de vista de algumas autoridades, é comum a verbalização de propostas como a Redução da Maioridade Penal, ou mesmo, a Responsabilidade Criminal de Movimentos Sociais. Está claro que a concepção que prevalece é a expressão de um sentimento pautado pelo ódio, rancor, vingança e dor, centrado na cultura do medo e pânico que vive a sociedade. Também, prevalece, uma concepção que visa tornar mais presente o Estado Punitivo contra os pobres, aliás, a mesma visão que apetece os despossuídos nas periferias, uma vez que o Estado não aparece, em hipótese nenhuma, enquanto Estado da Solidariedade, da Justiça, do Equilíbrio, etc.
Por qual motivo aprisionar os nossos jovens no sistema carcerário tradicional mais cedo? Só é possível pensar em uma resposta lúcida: Em um sistema carcerário que não funciona, que está cheio de pobres e que não garante futuro para ninguém, só pode ser uma solução para os nossos jovens quando o sentimento que prevalece é o ódio, rancor, vingança e dor. Só pode ser uma solução doente para uma sociedade doente, o que nos faz retornar a idéia de que o medo prevalece em nosso meio social como endemia, enquanto algo que está pulverizado e impede a sociedade de solucionar os conflitos sociais.
Por Claudio Agatão Porto
Advogado da Cerrado Assessoria Popular
‘Hoje, temos medo da polícia’
Gilberto G. Pereira‘Hoje, temos medo da polícia', diz mãe de publicitário morto pela PM, no dia 18 de julho, em São Paulo. Uma equipe da Força Tática da Polícia Militar perseguiu o rapaz de 39 anos e o matou. Meteu bala sem perguntar quem era, nem dizer porque atirava.
O que a mãe da vítima diz é uma meia verdade. 'Hoje, temos medo da polícia'. Não é de hoje que se tem medo da polícia. Pergunte a pretos e pobres da periferia, cidadãos de bem. Talvez para um rapaz de classe média, branco, bem educado, em cujo olhar não há o medo da violência policial, isso seja uma realidade nova.
Mas o que a polícia faz agora é uma repetição de atos cabalmente executados entre policiais que cuidam de zonas esquecidas das cidades. A periferia não vende glória por ser agredida por policiais maus, perversos (muitos) desde sempre. Nem quer que isso se repita entre cidadãos da classe média branca, mas é isso que se vê agora com a morte do rapaz em São Paulo.
E essa atitude não é isolada, em termos de cidade. Em qualquer lugar do Brasil, a polícia é assim. De vez em quando, ela aparece educada diante das câmeras, mas muitas vezes nem sequer se furta de publicar videozinhos na internet expondo os músculos e a truculência, mostrando como ela é má.
Basta mirar de longe (para não levar um satiripapo) a ação policial contra drogadas e inválidos que dormem nas ruas das grandes cidades. Seus homens chegam como se estivessem numa operação pesada de guerra contra os piores bandidos do mundo. Mas o que se vê nas calçadas dos centros das principais cidades do país é gente que mal consegue ficar em pé por causa do uso diuturno de craque e outras drogas.
Fracotes esfarrapados se veem rodeados de policiais corajosos fazendo seu 'trabalho de segurança pública'. É claro que há sempre o policial responsável, que sabe fazer seu trabalho, o comandante idôneo que consegue liderar sua equipe. Mas quando há uma morte de inocente, ou um espancamento, a velha história de que é fato isolado está ficando cada vez mais difícil de ser sustentada.
Quando a mãe do publicitário assassinado pela polícia diz 'hoje, temos medo da polícia', ela está dizendo não só do ponto de vista de sua realidade, da atualidade que a frase denota, mas é bem provável que possamos utilizar isso também como uma revelação geral. Algo do tipo “não dá mais pra esconder. Sabemos que a polícia só sabe agir com violência extremada e não está preparada para distinguir entre firmeza na ação e arbitrariedade.”
Outro dia, indo do jornal para casa, por volta de 9 horas da noite, passava pelas imediações da Praça do Trabalhador e vi uma ação policial em cima de viciados de cracks, deitados numa calçada da avenida Independência. Como passava de carro, só vi num relance a truculência. Era necessário?
Que ranço é esse que não se apaga? A polícia precisa de um cérebro melhor, que aprenda a distinguir cidadãos. Não pode sair por aí batendo nas pessoas, às vezes matando, só para dar vazão à covardia e o medo de enfrentar a violência diá
ria das ruas.
MEDO DE DIRIGIR
MEDO DE PALHAÇO
MEDO
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