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terça-feira, 27 de maio de 2014

Mensalão gera dúvidas sobre leis aprovadas pela Câmara

Em Minas, juiz considerou inválida a votação da reforma da Previdência, realizada em 2003, período em que houve compra de votos no Congresso. Decisões como essa tendem a se alastrar pelo país
Publicado em 28/10/2012 | 
Na noite do dia 27 de agosto de 2003, o então presidente Lula comemorava sua primeira grande vitória na Câmara dos Deputados. Por 357 votos a favor e 123 contrários, era aprovada em segundo turno a emenda constitucional da reforma da Previdência. Nove anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o governo comprou apoio parlamentar para aprovar essa e outras propostas por meio do mensalão e, na esteira da interpretação, o juiz mineiro Geraldo Claret de Arantes considerou a votação inválida ao julgar na semana passada um processo sobre pensão de uma viúva de servidor público.
Decisões como essa tendem a se alastrar pelo país nos próximos meses, embora pelo menos quatro ministros do STF já tenham manifestado a opinião de que o resultado das votações não será alterado. De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República que gerou a ação penal do mensalão, a aprovação de pelo menos três proposições teriam sido afetadas pelo esquema – além da reforma da Previdência, a tributária e a Lei de Falências.
Mudança
Entenda o teor dos projetos aprovados pela Câmara sob influência do mensalão:
Reforma da Previdência
Aprovada em agosto de 2003, a reforma da Previdência limitou as aposentadorias dos servidores públicos ao teto do INSS (atualmente de R$ 3,9 mil) e aumentou em sete anos a idade mínima de aposentadoria do servidor que entrou no serviço público até 1998. Na época, a expectativa era que as mudanças gerassem uma economia de R$ 60 bilhões em duas décadas.
Reforma tributária
A reforma tributária aprovada em 2003 determinou a prorrogação da CPMF e da DRU por mais quatro anos. Além disso, instituiu a partilha com estados e municípios de 25% do que fosse arrecadado pela União com a Cide (imposto sobre combustíveis). Também criou um fundo de compensação dos estados para cobrir perdas com desonerações.
Falências
A Lei de Falências foi aprovada em 2004 e instituiu os critérios de recuperação judicial, que substituíram os da concordata. Segundo a norma, as empresas devem apresentar um plano detalhado de recuperação financeira, que precisa ser aceito pela maioria dos credores. Nesse período, as ações contra a empresa ficam suspensas por seis meses.
Todas as propostas aprovadas entre 2003 e meados de 2005 pelo plenário da Câmara, no entanto, poderiam ser questionadas. Só em 2003, foram 205 — seis emendas constitucionais, 53 medidas provisórias, cinco projetos de lei complementar, 71 projetos de lei, 54 projetos de decreto legislativo e 16 projetos de resolução.
Efeitos
A reforma tributária pror­­­­­rogou a cobrança da Con­­tribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação das Receitas da União até 2007. A de falências tornou mais ágil o processo falimentar e oficializou, entre outros dispositivos, as negociações extrajudiciais entre devedor e credores.
“Se toda a legislação apro­­­­vada no período retrocedesse por causa do julgamento do mensalão, seria o caos. Já imaginou se o governo precisasse devolver o que arrecadou com a CPMF nesse período?”, questiona o cientista político e especialista em Direito Constitucional Valdir Pucci, da Universidade de Brasília.
Na mesma linha, o ex-ministro da Previdência e deputado federal Reinhold Stephanes (PSD-PR) computa que os prejuízos com pensões poderiam superar “uma centena de bilhões”. “Geraríamos um passivo impagável”, diz o parlamentar. Entre outras mudanças, a reforma da previdência limitou as aposentadorias dos servidores públicos ao teto do INSS (atualmente de R$ 3,9 mil) e aumentou em sete anos a idade mínima de aposentadoria do servidor que entrou no serviço público até 1998.
No último dia 4, a direção nacional do PSol informou que iria entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF para anular a votação dessa reforma. Na visão da assessoria jurídica do partido, o processo legislativo que levou à aprovação do texto está contaminado pela comprovação da existência da compra de apoio parlamentar, o que gera uma inconstitucionalidade formal na lei.
No STF, quatro ministros são contra a anulação e um é a favor
No mesmo dia do julgamento do mensalão em que a maioria Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou o entendimento de que houve compra de votos por parte do governo Lula (9 de outubro), quatro ministros afirmaram em plenário que as leis aprovadas durante a operação do esquema não podem ser consideradas inconstitucionais. Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber disseram que qualquer anulação não pode ser automática.
“O fato de o grupo ter motivação ilícita não se comunica com o produto legislativo, ainda que decorra parcialmente dessa motivação espúria”, afirmou Barbosa. Já Fux citou que o STF já possui jurisprudência para indicar que as leis aprovadas no período não podem ser consideradas viciadas.
Do outro lado, o revisor do processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, citou que é “comum” a anulação de leis municipais com esse tipo de problema. Apesar disso, ele não adiantou como pretende se posicionar. O único que sinalizou que deve ser favorável à anulação das leis foi o decano Celso de Mello.
Relator da Comissão Par­­­lamentar Mista de In­­­quérito dos Correios, que investigou o mensalão, o deputado paranaense Osmar Serraglio (PMDB) diz que não há motivos para revogar as leis. “Só haveria razão suficiente para a anulação nos casos em que fosse matematicamente comprovável que a compra de votos interferiu decisivamente no resultado”, afirma o peemedebista.
Na reforma da Previ­­­dência, grande parte dos 357 votos favoráveis à emenda partiu de parlamentares oposicionistas. Do total de 53 deputados do PSDB que participaram da votação, 27 votaram a favor da proposta patrocinada pelo governo e 25 contra. Dos 66 deputados do PFL (atual DEM), 32 foram favoráveis e 34 contrários, apesar de a liderança do partido ter indicado o voto contra. O resultado final teve uma folga de 49 votos, já que eram necessários apenas 308 para a aprovação da proposta.
De acordo com Serraglio, mesmo que anule as votações, o STF pode modular os efeitos da decisão, impedindo a retroatividade. “Ainda assim, não vejo qualquer chance de os ministros tomarem uma medida que gere insegurança jurídica”, diz o parlamentar.

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