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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO BRASIL

A corrupção e outras condutas do mesmo "gênero" como forma de legitimação do PoderEm interessantíssimo trabalho, Adeodato (1992, p. 207 – 242), abstraindo-se de classificações intermediárias dos países e contentando-se com a classificação em países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, demonstra criteriosamente que estes últimos – entre os quais inclui o Brasil – são dotados de sistemas jurídicos alopoiéticos, de modo que a forma de legitimação legal-racional do poder jurídico-político funciona, mas para tanto depende da interferência de outros subsistemas sociais, com suas próprias estratégias de legitimação.
As explicações do citado professor em torno da noção de legitimação do poder, da legitimação racional-legal e algumas outras considerações serão adotadas para a fundamentação deste tópico.
A legitimação do poder consiste em impor-se decisões discursivamente, sem uso de violência. Modernamente, com a constituição de sociedades de massas, abrandaram-se os critérios externos, anteriores e superiores ao ordenamento jurídico positivo e efetivamente vigente, como instâncias de referência para o apoio das decisões. Antes, a dominação podia se dar através da sua continuidade histórica ou pelo carisma dos líderes, mas isso não é mais possível, pois as sociedades tornaram-se complexas e os conflitos variam muito em especificidade.
Atualmente, as sociedades exigem uma legitimação do tipo legal-racional. A legitimação legal-racional está relacionada com a positivação do direito, ou seja, com "a possibilidade de o direito ser estabelecido através de decisões e também por decisões ser substituído, transformando-se em instrumento de controle e modificação social capaz de influir no cotidiano dos cidadãos a níveis historicamente inusitados e de fazer com que a ordem social dependa de normas jurídicas emanadas em larga escala daqueles centros decisórios." [1]
Os sistemas jurídicos dos países desenvolvidos promovem sua própria autopiese, isto é, não necessitam da interferência de outros subsistemas sociais para desenvolverem suas estratégias de legitimação.
Os sistemas jurídicos dos países subdesenvolvidos não se legitimam legal-racionalmente, mas também não apresentam uma estrutura social simplificada a ponto de se legitimarem tradicional ou carismaticamente. Há, nessas sociedades, muitas características de sociedades desenvolvidas, razão pela qual são encontradiças formas de legitimação tanto jurídicas como não jurídicas do poder.
Dentre as formas de legitimação não jurídica do poder estariam as várias formas de corrupção, entendida esta em um sentido mais literal do que técnico. De tais formas de legitimação, citam-se: a) "a excepcionalidade da aplicabilidade", como forma de adotar como regra as exceções à regra legal, visando a beneficiar alguém ou algum grupo dominante; b) a "ficção da isonomia", adotando-se pesos e medidas diferentes na apliação da lei, para beneficiar pessoas ou grupos dominantes; c) "as boas relações", que consiste na troca de favores com ou entre os burocratas, às custas do erário; d) "o poder militar politizado", ou seja, a subversão do poder militar que, ao invés de servir à garantia da segurança contra ameaças externas, trabalha contra as "ameaças" internas, mediante um acerto entre as elites militares e civis (exemplo disso são os tratamentos diferenciados dos funcionários militares em relação aos civis); e) "o jeito" (ou jeitinho) que, segundo Motta e Alcadipani (1999, p.9), quem o concede não é incentivado por nenhum ganho monetário ou pecuniário, sendo levada a faze-lo por razões de ordem cultural e psicológica, historicamente enraizadas entre os brasileiros; f) "a corrupção" em sentido estrito, que é definida na legislação penal, englobando também a figura da concussão; g) o "clientelismo", que é uma forma de favorecer elites na distribuição de recursos públicos; h) as formas de procrastinação do feito, que são táticas de protelar a decisão, também muito difundidas entre os magistrados brasileiros; i) a própria ineficácia da lei (as pessoas tendem a afirmar que "umas pegam, outras não"); e j) a ficção da hierarquia no sistema oficial, muito comumente invocada para o pisoteio de direitos adquiridos.
Nos centros desenvolvidos, algumas dessas práticas não aparecem e outras aparecem como disfunções das sociedades diferenciadas, ao passo que em um país subdesenvolvido, elas podem agir justamente "como lubrificante da máquina decisória, aumentando sua eficiência e aliviando as instâncias estatais legalmente organizadas". Mas apesar de apontar as "estratégias extra-legais" como um "mal necessário" em países como o Brasil, o autor reconhece que elas, nos países carentes, "podem tanto auxiliar os órgãos estatais quanto atuar contra eles" e salienta que "ela não deve aparecer em público sem ser devidamente punida, do ponto de vista da legitimação do poder estatal." [2]
Como se nota, Adeodato concebe as práticas corruptas em países periféricos (incluindo nesse rol o Brasil) como estratégias extra-legais que auxiliam na decisão de conflitos e que tornam possível o exercício do poder sem o uso da força, o que lhes confere certo grau de legitimidade.
Não obstante tal concepção, deve ser salientado que o citado trabalho data do ano de 1992 e muita coisa se alterou até agora. Além disso, a corrupção na Administração Pública há muito ultrapassou limites toleráveis, tendo se tornado causa notória do empobrecimento econômico da nação.
3.2. A corrupção especificamente na Administração Pública
Embora haja acordo em que certas formas não convencionais de legitimação do poder não podem ser de pronto eliminadas em um país como o Brasil, não se pode mais aceitar tal argumento no campo da Administração Pública deste país.
No Brasil, conforme as palavras de Silva (1999, p. 27), a corrupção é dramática, podendo-se ilustrar essa afirmação apenas com o caso Collor e o escândalo do orçamento, para não citar outros tantos, mais recentes. A corrupção, que já era intensa durante a Ditadura e prosseguiu com a abertura democrática, parece que se institucionalizou no Governo Collor, prosseguiu nas gestões de Fernando Henrique e, ao que tudo indica, continua presentemente.
Alguns anos atrás, esse estado em que se encontra o Brasil pôde ser sentido de forma muito veemente, por toda a sociedade, quando o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, editou Medida Provisória onde, praticamente, proibia que os Membros do Ministério Público intentassem ações de improbidade administrativa. E como não bastasse, ainda instituía, na própria lei da ação de improbidade, uma ação que poderia ser intentada pelo ímprobo contra o membro do Ministério Público (não contra o Estado, como orienta a Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado), para cobrar deste uma indenização de R$ 151.000,00, caso a ação de improbidade que lhe movesse o Ministério Público viesse a ser julgada improcedente pelo Poder Judiciário.
A referida medida só não foi convertida em lei devido ao empenho dos próprios membros do Ministério Público (salvo os Procuradores-Gerais, que em regra não têm de fato uma independência, eis que são escolhidos pelos Chefes de Executivos), os quais, pessoalmente e através de suas associações de classe, buscaram apoio na sociedade e em organizações externas como a Transparência Internacional. Devido à pressão sofrida, o referido Presidente da República voltou atrás, reeditando, sem a excrecência já apontada, a Medida Provisória em comento. Esse episódio é aqui citado porque é emblemático para ilustrar que a sociedade começa a sentir que pode deter a corrupção, mesmo a despeito da sua disseminação em todas as esferas do poder, e que o Ministério Público é uma ferramenta importante para esse fim.
Como se sabe, após o advento da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público do Brasil passou a ser uma instituição soberana do Estado, dotada de autonomia funcional e administrativa, tendo como missão defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição do Brasil de 1988). Essa feição, associada aos poderes e instrumentos (como o inquérito civil e a ação civil pública) de que também lhe dotaram a Constituição e leis infraconstitucionais, elevou o Ministério Público à condição de controlador, por excelência, dos atos administrativos de todos os Poderes do Estado. Isso torna óbvio o motivo da inquietude dos "Donos do Poder", sobretudo porque, constantemente, investigações do Ministério Público conduzem aos palácios.
No entanto, ainda prevalece no Brasil a apatia. É possível que a classe política e burocrática do Brasil, em si, bem como a própria sociedade como um todo - esta, devido à sua conformidade com a corrupção -, estejam sofrendo de um mal que, em Sociologia, já foi diagnosticado como estado de anomia, tema do qual se tratará adiante.

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/4657/a-corrupcao-na-administracao-publica-no-brasil#ixzz2h4Q2QfcV

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