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terça-feira, 10 de setembro de 2013

As leis não podem retroagir



Os diversos Tribunais Pátrios, inclusive o Supremo Tribunal Federal, ao tratarem da questão da retroatividade de leis, vem manifestando entendimento de sua possibilidade jurídica, desde que haja menção expressa no texto legal e respeite-se o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada. Nesse sentido, transcreve-se Ementa do STF.

“EMENTA. ...o dispositivo ora impugnado, ao declarar a ineficácia retroativa da criação do Conselho Estadual ...também viola, diretamente, o inciso XXXVI do artigo 5º da mesma Carta Magna, o qual veda a retroatividade que alcance direito adquirido e ato jurídico perfeito, vedação a que estão sujeitas também as normas constitucionais estaduais.” (STF, Tribunal Pleno, ADI n.º 596/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 07.05.1993)

Esse entendimento é compartilhado por ilustres autores e doutrinadores tais como José Afonso da Silva, segundo quem “Vale dizer, portanto, que a Constituição não veda a retroatividade da lei, a não ser da lei penal que não beneficie o réu. Afora isto, o princípio da irretroatividade da lei não é de Direito Constitucional, mas princípio geral de Direito. Decorre do princípio de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Isto é: são feitas para reger situações que se apresentem a partir do momento em que entram em vigor. Só podem surtir efeitos retroativos quando elas próprias o estabeleçam (vedado em matéria penal, salvo a retroatividade benéfica ao réu), resguardados os direitos adquiridos e as situações consumadas evidentemente.”

Sobre a retroatividade legal, Celso Ribeiro Bastos se manifesta no sentido de que “Salvo a Constituição de 1937, todas as demais Constituições mantiveram-se fiéis à sacrossanta irretroatividade, respeitada, sempre, a formulação técnica consistente no resguardo da já clássica trilogia (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).”

Muito embora a retroatividade de leis não seja tema concernente a Direito Constitucional, tal como bem o ensinam os doutrinadores citados, nossas diversas constituições, exceto a de 1937, abordaram e disciplinaram a questão, todavia proibindo-a, como agora se demonstra.

Da análise do instituto “lei” em sua essência, fácil constatar-se que não é compatível com a possibilidade de vigência retroativa. A lei nada mais é do que um retrato da vontade da sociedade, por conseguinte, enquanto perdura uma lei que disciplina determinada matéria, pode presumir-se que a vontade da sociedade era de que aquela normatização fosse a aplicável ao tema tratado. Quando é aprovada nova lei versando sobre matéria anteriormente disciplinada de forma diversa, pode-se concluir que a vontade da sociedade é que, somente a partir daquele momento, recebesse aquele tema nova normatização.

E nem sequer poderia ser de forma diversa, mesmo porque um dos objetivos do Direito é o de assegurar a “segurança jurídica”, posto que disciplina as relações humanas de forma a possibilitar uma certa previsibilidade em relação a circunstâncias futuras, o que efetivamente não ocorreria caso pudesse uma norma retroagir.

Analisando-se as diversas constituições brasileiras, verifica-se a evolução do instituto da irretroatividade. Sob a égide da Constituição de 1824, que dispunha que “Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade publica, e a sua disposição não terá effeito retroactivo”, a irretroatividade legal encontrava-se estabelecida em termos absolutos.

A Constituição de 1891, estabelecendo que

“E’ vedado aos Estados, como á União prescrever leis retroactivas”, manteve a irretroatividade nos mesmos termos absolutos. Todavia, com a promulgação da Constituição de 1934, que estabeleceu que “a lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu”, criou-se ao princípio da irretroatividade legal uma restrição que até hoje vigora, tendo sido repetida em todas as Cartas Constitucionais, exceto a de 1937.

Possíveis dois entendimentos sobre o dispositivo. O primeiro o de que, com a Constituição de 1934, passou a ser permitida a retroatividade das leis em geral, exceto em matéria penal, que só poderiam retroagir para beneficiar o réu. O segundo o de que a irretroatividade continuou como regra, havendo tão-somente a exceção da lei penal que beneficiasse o réu.

Os defensores de que a lei pode retroagir, desde que se respeite o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, sendo a irretroatividade direcionada tão-somente para normas penais que não beneficiarem o réu, lastreiam-se também no fato de que ambos os institutos tiveram origem simultânea no nosso Direito Constitucional. A mesma Constituição (1934) que estabeleceu a “retroatividade” penal benigna, foi a que estabeleceu a impossibilidade de a lei prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Todavia, apesar da origem simultânea, tais institutos são conceitualmente diversos. A Constituição de 1934, ao tratar de vigência de normas, disciplinou o tema de forma mais abrangente e consistente. Estabeleceu a possibilidade de retroatividade da lei que, versando sobre matéria penal, beneficiasse o réu. Estabeleceu também que, em relação a efeitos futuros, qualquer lei (não só a penal) deveria respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Tanto se distinguem os dois institutos que, não tendo sido incluídos na Constituição de 1937, foi o segundo (respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada) inserido na Lei de Introdução do Código Civil-LICC, de 1942, sem contudo qualquer nuance de retroatividade de leis.

A LICC dispõe que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” Portanto, segundo a LICC, uma lei, após promulgada, tem efeito imediato e geral (nunca retroativo), contudo, deve sempre respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido ou a coisa julgada.

Há o entendimento de que a Carta Magna de 1988, por ter expressamente mencionado a lei penal ao falar em irretroatividade, excetuando a norma penal benigna, e se omitido em relação às demais normas, implicitamente permitiu que houvesse retroatividade de normas não penais, desde que respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada .

Caso prosperasse este entendimento, o de que se omitindo o texto constitucional sobre a matéria, implicitamente haveria a possibilidade de retroatividade legal, restaria-se o absurdo de que, sob a égide a Constituição de 1937, e até que fosse promulgada a Constituição de 1946, como não havia qualquer menção ou restrição constitucional sobre a matéria, poderia qualquer norma ter eficácia retroativa, desde que no corpo da própria lei fosse assim literalmente estabelecido.

A retroatividade é tema de tal excepcionalidade, no Direito Pátrio, que é tratada tão somente em âmbito constitucional, e a Constituição de 1988 somente a permite em relação à lei penal que seja mais benigna ao réu.

Portanto, não havendo possibilidade constitucional de retroatividade, exceto em relação à lei penal mais benigna, resta a pergunta: Qual a vigência de norma meramente interpretativa?

Responde-se: Uma norma interpretativa tem por objetivo aclarar o texto de outra norma. Ao promulgar-se uma lei interpretativa, age o Legislativo “usurpando” a função do Judiciário, visto que a competência constitucional de interpretador de normas é atribuída a este. Mas, do mesmo modo como ocorre quando o Judiciário interpreta determinada norma e esta interpretação prevalece em relação a todos os fatos ocorridos desde o momento do início da vigência da lei, o mesmo ocorre quando o Legislativo decide legislar interpretando outra lei. Esta interpretação prevalece em relação a todos os atos e fatos ocorridos desde o início da vigência da lei interpretada, e isso efetivamente não implica em retroatividade, posto que não se está criando nenhuma nova situação jurídica para vigorar no passado.

Se a lei interpretativa inovar em relação à matéria, deixará de ser interpretativa em relação aos dispositivos inovados, que não terão eficácia “retroativa”, posto que não cabe, a título de interpretar lei anteriormente promulgada, criar-se ou alterar-se instituto ou norma jurídica.

Como a retroatividade é a vigência da lei no passado, pode-se afirmar categoricamente que nem sequer a lei penal mais benigna é capaz de retroagir, devendo nesse sentido ser interpretada a menção expressa do texto constitucional.

Uma lei penal mais benigna produz tão-somente efeitos futuros, alcançando todavia as situações pendentes. Ou seja, determinada pessoa que tenha efetivamente cumprido toda a pena à qual foi condenada, em virtude de prática de ato qual foi posteriormente deixou de ser considerado ilícito, não tem qualquer direito à indenização, direito que se lhe seria assegurado caso efetivamente fosse retroativa a lei penal mais benigna.

Retorna-se agora ao conceito inicial, o de que a lei nada mais é do que um retrato da vontade da sociedade.

Caso determinada pessoa se encontre cumprindo pena em virtude de prática que a sociedade legalmente considerou como indesejável, e como o objetivo da pena é reeducar o condenado para que possa este voltar a conviver em sociedade, incabível imaginar-se que deva este ser mantido cumprindo sua pena para que seja reeducado de modo não mais venha a praticar fato que a sociedade passou a considerar como não lesivo ou reprovável.

Todavia, apesar da situação acima descrita, a inexiste no Direito Pátrio qualquer retroatividade, inclusive no âmbito penal. Às leis penais aplica-se tão somente o que o STF denomina de “retroatividade mínima”, leis penais mais benignas produzem efeitos futuros em relação a fatos passados, mas nunca produzem efeitos pretéritos.

Conseqüentemente não se reveste de consonância com o ordenamento constitucional vigente qualquer norma no que prescreva vigência retroativa, excetuando-se a norma penal, cuja “retroatividade” se dá tão-somente com efeitos futuros, alcançando todavia fatos ocorridos anteriormente à sua vigência.

Não sendo cabível a retroatividade de leis mesmo quando houver previsão expressa em seu corpo, não merece sequer muitos comentários o absurdo praticado pela fiscalização tributária federal, que vem tentando aplicar retroativamente a Lei Complementar n.º 105 (que autoriza a quebra do sigilo bancário), apesar de seu art. 12 no qual expressamente se fez constar a impossibilidade de vigência retroativa ao prescrever-se que “esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação”.

Há os que equivocadamente defendem a possibilidade da aplicação da LC 105 a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, lastreando-se no art. 105, do Código Tributário Nacional-CTN, que estabelece que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes.

A possibilidade de aplicação de legislação tributária a fatos pendentes somente pode dar-se nas hipóteses previstas no art. 106 do CTN, que são da lei meramente e expressamente interpretativa e da lei tributária penal que estabeleça penalidade mais branda ou deixe de considerar determinado fato como infração.

Ou seja, o próprio CTN estabelece tão somente como possíveis de vigência retroativa a lei interpretativa e a lei penal mais benigna, que efetivamente são as únicas situações nas quais apresenta-se constitucional a “retroatividade”: A primeira por não se caracterizar essencialmente como tal, como já exposto, e a segunda por ter sido expressamente prevista no texto constitucional.

O próprio CTN, em seu artigo 101, de forma inconteste estabelece que se aplicam, às leis tributárias, as mesmas disposições sobre vigência, no espaço e tempo, aplicáveis às normas jurídicas em geral, ou seja, por ser o Direito Tributário um dos ramos do Direito, e não uma ciência autônoma e completamente distinta deste, deve manter perfeita consonância com os diversos institutos e princípios basilares jurídicos, dentre os quais os aplicáveis à vigência das normas.

Como a fiscalização habitualmente se dá em relação fatos pretéritos, raramente no momento da ocorrência do mesmo, cuidou o CTN, em seu art. 144, de impedir a possibilidade de conflito intertemporal de normal, ao definir o lançamento (procedimento administrativo do qual se utilizam os agentes fiscais para determinar o crédito tributário, art. 142 do CTN) reporta-se à data da ocorrência do fato gerador, e rege-se pela lei então vigente, mesmo que posteriormente modificada ou revogada.

Por conseguinte, qualquer lançamento efetuado em relação a fatos ocorridos anteriormente ao início da vigência da LC 105 deve ser efetuado em conformidade com a legislação então em vigor, não podendo ser efetuado por meio de utilização de dados obtidos em virtude da quebra do sigilo bancário do contribuinte, sendo provas estas inválidas, posto que não autorizadas legalmente, e conseqüentemente impossíveis de serem utilizadas para determinação de créditos tributários, em conformidade com o Constituição Federal, art. 5º, LVI, que prescreve que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Para finalizar a questão, analisa-se agora o §1º, do art. 144, do CTN, que estabelece que “aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas...”

Defendem alguns que a LC 105 possa ser aplicada retroativamente com lastro no art. 144, §1º do CTN que estabeleceu que se aplica ao lançamento a legislação que, mesmo posterior à ocorrência do fato gerador, tenha ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas.

Qualquer interpretação legal não se pode fazer de forma isolada sob o risco de completo desvirtuamento do teor da norma. Os antigos já diziam que “um texto fora de contexto pode servir de pretexto para qualquer coisa.”

O §1º do art. 144 não dispõe sob forma alguma de retroatividade de normas, o que nos parece claro, posto que se este dispositivo disciplinasse vigência de normas no tempo e espaço, não estaria inserido no Capítulo “Constituição do Crédito Tributário”, mas sim no Capítulo “Vigência da Legislação Tributária”, mesmo porque um parágrafo deve ser interpretado em consonância com o tema abordado no caput do artigo, e o do art. 144 não dispõe nem direta nem indiretamente sobre vigência de normas, mas sim sobre procedimentos para lançamento do crédito tributário.

Não dispondo o art. 144 do CTN, e conseqüentemente seu §1º, sobre vigência de normas, qual é o tema efetivamente abordado por seu §1º?

De fácil resposta essa pergunta. Trata esse dispositivo tão somente de procedimentos meramente administrativos concernentes ao lançamento. Exemplifica-se. Vamos nos utilizar da situação em que determinado Ente de Direito Público tenha constitua sua fiscalização tributária dividindo seu quadro funcional em mais de um cargo, por exemplo Fiscais e Técnicos, incumbindo aos primeiros a fiscalização de empresas de maior porte e aos segundos empresas de menor porte. Caso efetue, este Ente de Direito Público, alteração na normatização destes cargos, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas ocupantes do cargo de Técnico, de modo possam fiscalizar empresas outras que não de pequeno porte, não há empecilho legal a que os Técnicos fiscalizem fatos geradores ocorridos anteriormente à norma que lhes atribuiu competência para tanto.

Não se trata portanto de retroatividade, mas simplesmente de organização de procedimentos meramente administrativos.

Retornando ao conceito original de lei. A promulgação da LC 105 foi uma manifestação da sociedade que desejou que as autoridades fiscais, no exercício de suas atribuições, passassem a ter poderes para quebrar o sigilo bancário de contribuintes. Anteriormente à LC 105, repulsava a sociedade esta idéia, mesmo porque, se assim não fosse, tal norma já teria sido anteriormente aprovada. Portanto, como democraticamente a vontade do povo é sempre soberana e querendo este que somente a partir da promulgação da LC 105 pudesse a fiscalização tributária ter acesso a dados bancários de contribuintes, e tão somente em relação a fatos ocorridos posteriormente à sua vigência, não é possível a interpretação da LC 105 de modo a revesti-la de poderes de retroatividade, mesmo porque, além de que se ferir o ordenamento jurídico pátrio, desrespeita-se a soberana vontade popular.



03/03/2010 - 10h11
DECISÃO
Lei não pode retroagir para prejudicar o réu, reafirma STJ
A lei não pode retroagir em prejuízo do réu, somente a favor. O entendimento foi reafirmado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, ao deferir liminar em habeas corpus a um paciente preso por latrocínio em São Paulo.

Para o ministro, o condenado por crime hediondo antes da vigência da Lei n. 11.464/07 (que regulamentou a progressão de regime nesses casos) tem direito de ir para regime mais brando após cumprir um sexto da pena, tal como prevê a Lei de Execução Penal.

No caso analisado, o delito teria sido cometido antes de a Lei n. 11.464/07 ter eficácia. Depois de ter cumprido um sexto da pena, o réu pleiteou a progressão para o regime semiaberto. O pedido, porém, não foi acolhido pela Justiça.

Segundo acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), como o condenado era réu primário, só caberia a progressão de regime depois do cumprimento de dois quintos da pena. Se fosse reincidente, seriam necessários três quintos.

A defesa apelou ao STJ. Em sua decisão, o presidente do Tribunal, ministro Cesar Rocha, entendeu que a exigência de que o condenado cumpra dois quintos da pena para a progressão nos casos de crimes hediondos só pode ser aplicada a quem foi sentenciado depois que a Lei n. 11.464/07 entrou em vigor.

“A progressão de regime aos condenados por crimes hediondos trazida pela Lei n. 11.464/07, por ser evidentemente mais gravosa, não pode retroagir para prejudicar o réu”, decidiu o ministro. A decisão seguiu precedentes do próprio STJ. O processo segue agora para parecer do Ministério Público Federal. Após retornar ao tribunal, será apreciado pela Quinta Turma. O relator é o ministro Jorge Mussi.

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