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quarta-feira, 30 de abril de 2014

A indústria da favelização


Rodrigo Mezzomo, Instituto Liberal
O programa de defesa dos morros do Rio de Janeiro é tão imprescindível que sua execução é tarefa para cobrir de glória um prefeito que se decida a tratar dela.”
Revista Fon Fon, 1925.
Todos nós assistimos ao recente e violento tiroteio ocorrido na favela Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, bem como aos protestos pelo assassinato ainda não esclarecido de um dançarino conhecido como DG, do programa Esquenta, de Regina Casé. Nas vésperas da Copa, o acontecimento foi um banho de realidade, destroçando quaisquer intenções marqueteiras dos governos municipal, estadual e federal.
Não vou debater aqui o assassinato, vez que as investigações estão em curso. Tomo o episódio para refletir em torno dos quase 1,5 milhão de cariocas que habitam a informalidade dos morros. Assim com há uma “indústria da seca” no Nordeste, há no Rio de Janeiro uma próspera “indústria da favela”.
Desde os calamitosos anos do ex-governador Leonel Brizola, na década de 80, o tema da remoção de favelas é tabu. Permitiu-se uma epidemia de invasões e ocupações desordenadas, proibindo-se, inclusive, a atuação policial nas áreas favelizadas. Em suma, Brizola deu o aval para a desordem e ilegalidade. Eram os tempos do “socialismo moreno”, como dizia o ex-governador.
Sob a desculpa bizarra de que havia uma “dívida social” a ser quitada, os moradores das favelas foram alforriados de todas as obrigações comuns aos demais brasileiros, pobres ou ricos. Sintetizando o pensamento vigente, o então vice-governador Darcy Ribeiro expunha: “Favela não é problema, é solução“. Fácil perceber a metástase populista que tornou enferma a política fluminense.
A mudança qualitativa do debate é inadiável e a realidade deve ser exposta sem subterfúgios: as favelas são o símbolos de nosso total fracasso, fruto do atraso político e social em que vivemos. No mesmo sentido, não existem “comunidades pacificadas”, mas apenas “favelas com UPPs instaladas” e melhorias cosméticas.
A política dominante, de viés esquerdista (festiva!), defende o “assistencialismo” politicamente correto. O “pobrismo”, mecanismo de glamourização da miséria, está em alta entre nós. A premissa oculta nesse raciocínio aberrante é a de que os residentes em favelas são cidadãos superiores, que não estão submetidos a ordem constitucional do país, pois não são obrigados a cumprir os mesmos deveres dos demais brasileiros que vivem no asfalto. Sob este prisma ideológico, a remoção de favelas é tida como ultrajante aos “direitos” dos desafortunados.
Com o incentivo de governos populistas, os morros se tornaram currais eleitorais e a conhecida política das dentaduras e bicas-d’água se sofisticou. Isso, em certa medida, esclarece como a sociedade carioca, que se autointitula moderna, tem uma das piores classes políticas do país. Cabe lembrar que vários nomes do brizolismo ainda influenciam o cenário fluminense.
Quando se tenta reintroduzir o tema da remoção na agenda política, os primeiros a protestar são, justamente, os partidos da esquerda, herdeiros diretos ou indiretos do brizolismo. Por evidente, não querem perder seus currais eleitorais.
Entretanto, esta é tão só a face mais aparente de uma enorme trama de ilegalidades que envolve milhares de pessoas. A indústria da favelização tem forte apoio no setor imobiliário informal, ou seja, nos grileiros que invadem terrenos para posterior venda, bem como os próprios moradores que verticalizam desordenadamente a favela para cobrarem aluguel dos recém chegados.
Os traficantes e milicianos também tem seu gordo quinhão, vez que dominam a vida nas favelas por meio do terror. Também participam da farra as centenas de ONGs que, a título de prestarem serviços sociais, se convertem em verdadeiras dragas do dinheiro público. Os lideres comunitários não podem ser esquecidos nessa equação, vez que auferem vantagens na mediação de todos os interesses em jogo. O comércio não é fiscalizado ou tributado. A polícia, ao seu turno, tem o velho e conhecido “arreglo”. Assim, o inchaço das favelas é resultado da combinação destes intrincados fatores e muitos são os grupo que lucram com sua perpetuação.
Na medida em que a favelização se propaga, a riqueza é destruída em progressão geométrica. Quando regiões degradadas progridem sobre tecido urbano consolidado e o destroem, todos perdem com isso. Tenha-se como exemplo o caso da Tijuca, que era uma área nobre da cidade até poucas décadas atrás. A recíproca é verdadeira, basta pensarmos na Lagoa Rodrigo de Freitas, que no passado era densamente favelizada. Hoje, valorizada, gera turismo, emprego e renda. Experiente, por um instante, pensar na Arvore de Natal da Lagoa, evento que atrai turistas de todos os cantos. Essa importante atividade econômica existiria se todo o entorno continuasse perigosamente favelizado? O leitor sabe a resposta.
É preciso inverter essa polaridade, ou seja, a ordem e formalidades existentes no asfalto devem ser estendidas às favelas. Quem mais perde quando a riqueza deixa de ser criada (ou é destruída!) são justamente os mais pobres. O rico sempre poderá mudar para melhores áreas, cidades, estados ou países. Hoje se tem experiência histórica acumulada – nacional e internacional – que demonstra, com segurança, o fato de que a favelização afeta o ambiente de negócios de uma cidade, prejudicando-a na competição global por investimentos e fluxo turístico.
Assim sendo, a degradação do tecido urbano é fator conhecido e decisivo para decadência econômica de uma cidade. Hoje temos favelas maquiadas com caríssimos teleféricos e custosas vilas olímpicas, todavia, continuam sendo favelas. Tais “progressos”, em verdade, só potencializam os incentivos para que novos moradores habitem o espaço favelizado. Precisamos vencer os populistas e recolocar o tema das remoções na agenda política. É óbvio que erros do passado não podem ser repetidos, ou seja, não basta mudar o problema de lugar, criando-se novas Cidades de Deus. É necessário equacionar questões de infraestrutura, mobilidade urbana, segurança, saúde, educação e financiamento das novas moradias, dentre muitos outros temas.
Remoções podem, sim, ter um final feliz e o caso da favela da Vila Autódromo é exemplo disso. O Parque Carioca, condomínio para o qual foram realocados os moradores, melhorou muito a vida de todos e valorizou o entorno. A remoção, sempre apontada pela esquerda como elitista é, quando bem feita, inclusiva e beneficia os mais pobres. Não é por outra razão que 172 famílias não contempladas no traçado original pediram sua admissão no reassentamento. A remoção não é uma política antipobre, é uma política antipobreza, o que é muito diferente.
Precisamos romper o ciclo de estímulos à favelização, isto é, quebrar sua correlação de custo benefício. Em meio a becos e vielas, onde não passam ambulâncias, lixeiros, bombeiros e viaturas policiais, não há cidadania. É injusto manter os pobres reféns dessa indústria. Se você realmente quer ajudar os pobres, remover é preciso.

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